E eu nunca me esqueci, prometo, por Pedro Chagas Freitas

“Na vida há três coisas essenciais: amar, ser amado e outra coisa de que entretanto já me esqueci.”

1. Somos viciados no incompreensível, compreendes?
O meu pai diz coisas assim, que parece que saem do sítio de onde nasce quem sabe tudo, de um lugar desconhecido, de uma região misteriosa, na qual só habitam os pais-craques: ninguém me tira da cabeça que existe a Ilha dos Pais, onde vivem os melhores papás do mundo, e onde o meu é o grande rei, claro. E realmente é assim, meu pai: somos viciados naquilo que não tem explicação, naquilo que nos obriga a acreditar na existência da magia, e o que andamos nós aqui a fazer se não houver magia, e mais ainda se não houver pais para nos ensinar a magia?

2. Quando cresceres, aprende a ser a melhor criança que conseguires ser.
Assim foi, assim é. Passo pelo tempo à procura de brincar, pouco mais. Pelo meio, pago as contas, tenho um emprego, respeito os meus semelhantes e até aqueles que por vezes pouco parecem ter de parecido comigo. Somos muito mais aquilo que nos separa do que aquilo que nos une, eu sei. Qualquer um ama o que é parecido, o que é confortável, o que é previsível. Amar é quando foge das mãos, e ainda assim nos prende à Terra.

3. Quando eu acabar, deixa que eu continue, sim?
Nenhum pai amado termina. Um pai é a continuação do seu filho, mais do que o contrário. Eu aqui estou, velhote, a levar-te comigo ao estádio (continuamos a lutar pelo título mas os árbitros continuam os ladrões de sempre), a rir-me do que sei que tu ririas (ontem vi o vídeo de um cão que se faz de morto só para ter atenção do dono, vê lá tu), a criticar o que sei que tu criticarias (o salário mínimo ainda é a merda de sempre, nos Estados Unidos foi eleito um homem que tem tão pouco de humano). Talvez não seja saudável isto que faço, mas faz-me bem.

4. Nunca confundas a vida com aquilo que te acontece.
Disseste-mo quando tive a minha primeira negativa, as lágrimas de vergonha, o teu olhar infeliz mas apaixonado (ama-se apenas quando por mais infeliz que se esteja se continua sempre apaixonado), e eu ainda hoje me lembrei disso quando há bocado tocaram à campainha e eu fui abrir e eras tu e eu te abracei (há quanto tempo não nos víamos? Três anos? Maldita seja a necessidade de emigrar, que sentido faz isto quando temos de perder vida para ganhar a vida?). Perdoa-me mas quando te vi confundi mesmo a vida com o que me estava a acontecer, porque se a vida não é exactamente o momento em que o pai que não vemos há três anos nos bate à porta e o abraçamos então a vida que se vá encher de moscas, não leves a mal, tá?
5. Na vida há três coisas essenciais: amar, ser amado e outra coisa de que entretanto já me esqueci.
E eu nunca me esqueci, prometo.

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