À mesa: devagar, devagarinho

À mesa: devagar, devagarinho

O desafio de hoje chama-se mindful eating. Filosofia aprovada. Benefícios à vista. Mas, aqui entre nós, temo adormecer à mesa com estes exercícios e deixar a refeição a meio. Ainda assim, vamos lá fazer o teste!

É hora de almoço. Está em frente ao computador, a lutar contra uma lista de emails sem fim à vista. Enquanto escreve uma mensagem, clica no botão ‘enviar’ e tira da gaveta a salada de atum que levou para o almoço. Depois de algumas garfadas e de mastigar rapidamente enquanto olha para o ecrã, pousa os talheres, come uma maçã e abre o próximo email. E eis que, de repente, termina o almoço e nem se deu conta. Este cenário é-lhe familiar? Então, sugiro (ou melhor, o psicólogo Nuno Mendes Duarte sugere) que recomece tudo de novo. Desta vez, em modo mindful eating!

Pare, pense e coma

Nuno Mendes Duarte, psicólogo e diretor clínico da Oficina de Psicologia, explica que “mindful eating começa na escolha do que comemos. É uma forma de estarmos presentes e de nos ligarmos ao momento em que nos alimentamos e, desse modo, ligarmo-nos a tudo o que está envolvido nesse ato”, desde a altura em que o alimento é colhido até chegar à nossa mesa.

Esta prática, que apela à calma e ao prazer, propõe transpor o mindfulness – uma forma de meditação – para as refeições, tornando-as num momento de atenção plena. Foi em 1979, que Jon Kabat-Zinn, professor de Medicina na Universidade de Massachusetts, criou o programa de Redução de Stress Baseado em Mindfulness (MBSR), considerado a primeira abordagem sistematizada no Ocidente. Quanto mais praticarmos – trazendo essa presença consciente para atividades como acordar, comer, ou lavar os dentes, por exemplo –, maiores as hipóteses de sermos nós a controlar as emoções em vez de as emoções tomarem conta de nós.

Nesta filosofia, “a preocupação da escolha de alimentos não é por um devir de dieta (que normalmente é altamente restritivo e penalizador), mas sim pela aproximação a uma experiência diária de satisfação e de saciedade em função das experiências emocionais que estão presentes a cada momento”, realça o psicólogo clínico.

Admita-se que, à primeira vista, o conceito possa parecer estranho, mas, ao comermos de forma mais consciente e lenta, a experiência acaba por ser mais intensa e promovemos uma relação mais saudável com a comida e com o ato de comer. Sem culpas e com satisfação!

A Oprah é mindful, e você?

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Atualmente, são vários os nutricionistas e dietistas que utilizam o mindful eating para ensinar a ter uma atitude mais saudável perante a comida. Na empresa Google, por exemplo, foi instituída uma hora de almoço consciente, e até celebridades como Oprah Winfrey e Kathy Freston, autora bestseller na área da autoajuda, aderiram a esta nova atitude à mesa.

De acordo com Carolyn Dunn, professora da Universidade da Carolina do Norte (EUA) e uma das autoras de um estudo apresentado no Congresso Europeu de Obesidade 2017, que se realizou no Porto, mastigar os alimentos pausadamente e de forma consciente ajuda as pessoas a terem uma melhor noção daquilo que ingerem, auxilia na perda de peso e reforça a saúde digestiva.

Boa digestão: o que é?

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A digestão implica a ação de uma série de hormonas que ‘avisam’ o cérebro da ‘chegada de alimentos’, diminuindo a produção de hormonas do apetite e aumentando a produção de hormonas da saciedade. Estima-se que este ‘sinal’ de saciedade demore cerca de 20 minutos a chegar ao cérebro, pelo que, se comermos muito rápido, temos tendência a ingerir uma maior quantidade de alimentos. Desta forma, como não estamos focados no sabor e na textura daquilo que ingerimos ou nos desligamos do nosso corpo, ignorando os sinais de saciedade que ele nos envia, acabamos por comer mais do que o necessário e por nos sentirmos demasiado cheios ou maldispostos.

Há também razões para acreditar que comer enquanto estamos distraídos com atividades como conduzir ou escrever ao computador pode diminuir a velocidade ou até parar a digestão, causando uma resposta semelhante ao mecanismo de ‘Luta ou Fuga’, que geralmente acontece perante uma situação de stress, medo ou ansiedade. E se não fazemos bem a digestão estamos a perder o valor nutritivo dos alimentos que consumimos.

Nuno Mendes Duarte explica que “qualquer tarefa feita com consciência plena permite-nos conectar com a qualidade das sensações de tudo o que nos rodeia a cada momento sem nos sentirmos perdidos no mundo dos pensamentos. É neste enquadramento que podemos observar que escolhas e que abordagem estamos a ter em relação à nossa alimentação diária”.

Além disso, ao promover uma relação mais saudável com a comida e com o ato de comer, a prática meditativa de atenção plena na alimentação é também um ótimo aliado nos casos de perturbações do comportamento alimentar (anorexia nervosa, bulimia nervosa e binge eating (comer compulsivamente).

3, 2, 1… Comece já

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Para que a prática do mindfulness às refeições seja a mais correta e eficaz, é importante adotar novos hábitos diários. Aqui ficam aqui algumas dicas de como se tornar mindful à mesa:
− Reserve pelo menos 30 minutos para cada refeição, de modo que não coma à pressa e que consiga ter uma maior consciência alimentar;
− Procure fazer as suas refeições num ambiente relaxado. Quanto menos stress sentir, mais facilmente será capaz de prestar atenção ao que está a comer;
− Coma sentado, à mesa, sempre que possível, eliminando o máximo de distrações na hora da refeição. Deixe o telemóvel e o computador de lado! Foque a sua atenção naquilo que está a comer;
− Da mesma forma, desligue a televisão ou o rádio. Quando estamos distraídos, temos tendência a esquecer que estamos a comer;
− Aprecie os cheiros, as cores, as texturas da comida e imagine como será o seu sabor antes mesmo de a provar;
− Mastigue os alimentos devagar, prestando atenção ao ato de mastigar e observando as sensações presentes;
− Pouse os talheres entre cada garfada, pois isso obriga-o a ter mais calma enquanto come e a ter paciência;
− Aprecie o momento, o ambiente, a companhia e o simples facto de estar a dar a si próprio a oportunidade de se sentar e de apreciar a refeição.

 

Faça o teste!

O psicólogo Nuno Mendes Duarte sugere um exercício que irá ajudar-nos a ser mindful à mesa.

Comece por procurar um pedaço de alimento que possa agarrar (fruta, bolacha, etc.) e siga os seguintes passos:

(Manter)
Focalize a sua atenção no alimento e imagine que nunca viu nada parecido com isso antes. Agarre no alimento e mantenha-o na palma da sua mão, ou entre os dedos.

(Ver)
Ao olhar para o alimento, preste atenção a ele. Disponha de algum tempo para o ver realmente. Permita que os seus olhos explorem cada parte do alimento. Explore as simetrias e assimetrias. As saliências e as concavidades. Deixe que os seus olhos explorem cada parte do alimento, como se nunca tivessem visto algo parecido antes. Examine a cor que a luz provoca. Os claros e os escuros.

(Tocar)
Volte o alimento e observe. Explore a textura com os seus dedos. Experimente fechar os olhos para que possa ter uma sensação mais apurada do toque.

(Cheirar)
Agora, colocando o alimento bem debaixo do seu nariz, cheire-o, reparando suavemente no aroma ou na fragrância que surja. Beba desse aroma em cada inspiração, talvez reparando nos pensamentos de interesse ou rejeição, ou talvez dando conta das sensações na boca ou no estômago. E se, enquanto está a fazer isto, surgirem alguns pensamentos na sua mente, como “que coisa estranha estou a fazer” ou “qual é o objetivo disto?” ou “não gosto disto”, repare neles apenas como pensamentos e traga a sua atenção de novo para o alimento.

(Colocar)
Olhando para ele mais uma vez, leve-o suavemente até aos seus lábios. Repare como a sua mão e o seu braço o colocam perfeitamente na direção da sua boca. Ou como a sua boca fica húmida, como que a preparar-se para o receber. Coloque suavemente o alimento na boca e, sem o trincar, note como ele é recebido, simplesmente explorando as sensações de o ter na boca.

(Saborear)
Quando estiver preparada, mastigue o alimento apenas uma ou duas vezes e conscientemente repare como o sabor se liberta. Continue a mastigá-lo suavemente, notando que cada dentada é diferente da anterior e no modo como a saliva envolve o alimento e modifica a sua consistência ao longo do tempo.

(Engolir)
Veja se deteta a intenção de engolir a surgir antes mesmo de engolir o alimento. Finalmente, procure seguir as sensações do alimento à medida que ele deixa a boca na direção do estômago.

 

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