Destino? A Sertã. Uma vila saborosa e sede de um município de incontáveis surpresas.
“O hábito faz o monge”, por isso voltámos a partir À Descoberta e desta vez seguimos o ditado popular tão à letra que escolhemos um antigo convento da Ordem dos Frades Menores para descansar durante dias intensos de aventura pela beira baixa.
“Quem está no convento é que sabe o que vai lá dentro”
Antes de seguir para o hotel, com fome já audível nas barrigas, resolvemos parar para jantar. Santo Amaro foi a paragem. De portas abertas desde 1975, este restaurante não falha no que à comida e ao atendimento diz respeito. Para a entrada uma degustação de maranho e bucho, pratos típicos da região – que podemos levar para casa parando no talho Casel ou encomendando em domiguarias.com. Regados com um tinto alentejano Folha do Meio, seguiram-se a sopa de peixe da Dona Helena que é de chorar por mais e um borrego que não lhe fica atrás. De barriga cheia chegava a hora de deitar a cabeça numa boa almofada.
Optámos por dormir mesmo na vila e não podíamos ter feito melhor escolha. O antigo Convento de Santo António foi transformado em 2013 num hotel que respeita a história. A construção original não foi esquecida e a decoração moderna sem pretensiosismo valoriza as colunas robustas de pedra em que provavelmente tantos pousaram a mão desde 1635.
Fomos recebidos com um sorriso largo e mãos prontas a levar-nos as malas até ao quarto onde o chapim, ave de pequenas dimensões que habita a região, também repousa. Por fim, dormimos, sabendo que só uma boa noite de repouso nos prepararia para o que a região tem para oferecer.
De manhã bem cedo o pequeno-almoço esperava-nos no atrium principal do hotel. Reinava a luz natural vinda do tecto em vidro e na mesa produtos frescos confeccionados ali mesmo no hotel. Desde as queijadas também típicas da região à fruta laminada, sem esquecer os doces para o pão fresco e um café que se pode misturar até com leite sem lactose ou bebida de amêndoa. Aqui está tudo pensado e as opções foram todas acauteladas. Reparámos também que não existe exagero no buffet — algo que normalmente acontece e dá aso a tanto desperdício.
“Quem corre por gosto não cansa”
Antes de sair em busca dos recantos da Sertã pedimos algumas dicas na recepção do Convento da Sertã Hotel. A região é grande e queríamos ter a certeza de que apenas num sábado conseguíamos desfrutar da paisagem e da gastronomia. Fomos surpreendidos com percursos impressos e detalhados que estão disponíveis para todos os clientes. Não faltam indicações de melhores trajetos, de locais onde parar e até sugestões onde comer. Optámos pelo passeio número um e seguimos pela IC8. Primeira paragem: Moinho das Freiras. Aí deslumbramo-nos com o rio a serpentear numa encosta verde que só termina no recorte azul do céu ao fundo. Lá em baixo um parque de merendas convidava a ficar por ali, mas o itinerário pedia que seguíssemos caminho a pé. Estávamos a pouco mais de um quilómetro pelo túnel ao longo do Vale do Cabril para chegar à Ponte Filipina. Confessamos que não chegámos até lá, avistámos a construção ao longe apenas porque a falta de água e o calçado pouco apropriado nos obrigaram a subir de volta ao carro. Fica então o conselho: leve ténis confortáveis para andar, roupa leve se estiver calor e uma garrafa de água para se ir refrescando. “A descer todos os santos ajudam”, mas a subida pode revelar-se cansativa. Os ponteiros do relógio chamavam para o almoço e acabámos por não visitar a Barragem do Cabril, a Igreja Matriz e o Centro Histórico de Pedrógão Grande e ainda o Casulo do Malhoa em Figueiró dos Vinhos — lugar onde o pintor se inspirou e onde morreu em 1933.
Casal de São Simão, uma pequena aldeia de xisto, esperava-nos com almoço marcado. E que almoço! Na Varanda do Casal, um restaurante envidraçado com vista para a encosta e para a aldeia, conquistou-nos logo com um pão morno feito ali mesmo em forno de lenha e uma manteiga de alho caseira que escorregava em harmonia perfeita. Com um belo vinho branco da Bairrada a acompanhar, provámos Cachola da Matança — guisado feito de miudezas do porco –, cogumelos silvestres, enchidos da região e pataniscas de bacalhau. O prato principal foi uma vitela em forno de lenha acompanhada de batatas assadas, arroz e feijão verde. Ficávamos ali, a barriga bem cheia assim o reclamava, mas havia mais para desfrutar.
Ao caminhar pela única rua da aldeia fomos impelidos a seguir uma seta que sugeria um percurso pedonal de 15 minutos. Entre eucaliptos que o vento fazia assobiar, descemos até às Fragas de S. Simão. Um lugar idílico fresco da água que corre entalada nas rochas e forma uma pequena piscina. Em redor algumas famílias aproveitavam para fazer piquenique entre mergulhos, mas a natureza não deixa em momento algum de sobressair neste pequeno recanto. Entre descida e subida chegava a hora de o Zêzere nos pôr à prova.
“Vencer sem luta é triunfar sem glória”
Já tínhamos ouvido falar dos desportos aquáticos no rio Zêzere e estando mesmo ali aproveitámos para experimentar. Já perto da vila da Sertã fomos até ao Trízio onde o curso da água se alarga abrindo espaço para umas rampas que começam por nos deixar nervosos. Porém, já não havia volta a dar quando nos vimos de colete vestido, prancha calçada e capacete com intercomunicador. Vamos experimentar Wakeboard!
Nelson Santos recebeu-nos com simpatia e algumas notas de segurança, mas não nos disse que são poucos os que se colocam de pé e atravessam de margem a margem a deslizar sobre a água à primeira tentativa — e ainda bem. Deitados sobre a água de barriga para cima, agarrados à pega dos cabos que atravessam o rio, começamos a sentir-nos a sair da água e o cérebro impele-nos a usar as pernas para empurrar a prancha e sobressair sobre o rio. A postura faz o resto, se a tivermos. Nós matámos a sede, é certo, de tantos pirulitos, mas saímos da água contentes por nos termos superado. Anotámos os preços e prometemos voltar com a esperança de numa próxima levarmos a melhor nesta luta contra a gravidade.
Estafados e a pedir bis na cama do hotel, ainda tivemos forças para provar os petiscos da Mercearia do Largo. Bem perto, a pé, do Convento da Sertã Hotel, um espaço pequeno e amoroso serviu-nos uns deliciosos cogumelos recheados, ovos com farinheira e pica-pau. Tudo caseiro, fresco e bem apresentado. A acompanhar um copo de vinho branco fresco escolhido de uma garrafeira vasta e um sumo de fruta feito na hora. Antes de sairmos ainda aproveitámos para fazer umas compras: há doces da região, queijos, doçaria e até um livro de lendas da Sertã para contar aos mais pequenos.
“O pior cego é aquele que não quer ver”
Na manhã de domingo corremos as cortinas do quarto e despedimo-nos da Sertã. Para casa trouxemos produtos da região e a certeza de que existem pérolas em Portugal e a Sertã é uma delas.
Depois desta viagem a região já ardeu — outra vez, mais um ano. E nós, de mãos e pés atados, sem poder efetivamente fazer algo que salve aquelas encostas de um verde tão puro com tanto para dar a todos os que dali são e os que ali passam. Resta-nos viajar por cá, pelo país. Ver o que Portugal tem para dar, comprar português.
Por Alexandra Matos
Fotos de Luís Almeida