A Consulta, Por Ana, Mãe de uma criança especial. Mãe de Bem com a Vida

Pedimos a Ana, mãe de S., uma criança de 4 anos com uma doença rara, que fosse partilhando connosco os seus passos, dificuldades, alegrias, tristezas . Este é uma forma de acompanhar situações de tantas outras Anas que existem pelo país fora. É uma forma de aprendermos a diferença e de contribuirmos para a educação da tolerância. 

Na primeira crónica, Ana falou-nos do primeiro dia de escola. Aquele dia em que todas as mães sonham com uma criança a correr ao som do toque de entrada. Nenhum pai imagina cadeiras de rodas neste cenário. 

Nesta segunda crónica, Ana comove-nos com aquele que será o dia a dia de tantas mães: o de encontrar caminhos. E recusar o “não” como resposta definitiva. 

“Com a chegada do Outono, chegam também as consultas de revisão de especialidades da S.: concretamente a de reabilitação. No período que decorre entre cada revisão, há sempre a esperança de levar grandes novidades. Costumo imaginar o dia em que, sem precisar de palavras, entro pela sala da consulta com a S. de mão dada a caminhar pelos seus pés. Mas, enquanto esse dia não chega, é igualmente uma emoção cada progresso que temos para contar. Na maioria das vezes são pequenos avanços. Mas nesta caminhada o importante é avançar, pelo que, qualquer passinho em frente é de grande importância e celebrado por todos com emoção e alegria.

Recordo-me em especialmente  de uma consulta em concreto. Era a primeira vez que a S. era vista por aquela médica. A sua médica de reabilitação tinha-se reformado entretanto e esta era a médica que a substiuiu no hospital. Era (e é) também ela considerada uma médica muito experiente na sua área. A minha filha mais velha teve de me acompanhar à consulta da irmã porque estava de férias. Tenho de a referir porque, do interior da sua pré-adolescência, tem às vezes umas frases providenciais no momento mais oportuno.

Eu, apesar de disfarçar, estava nervosa. Como, aliás, qualquer mãe de uma criança com problemas neurológicos que vai a uma consulta de reabilitação. Não conheço nenhuma mãe que diga uma palavra agradável sobre as consultas desta especialidade ou dos profissionais respetivos (que me desculpem os que se sentirem ofendidos). Cada consulta destas é como se nos passasse um camião TIR por cima… com toda a ilusão que levamos para a consulta para falar dos pequenos grandes progressos que a nossa campeã conseguiu, saímos da consulta literalmente com a alma no chão.

Para que se tenha uma ideia, a abordagem foi tão agradável nessa primeira consulta, que a minha filha mais velha, do alto dos seus quase 11 anos, mal saiu para o corredor disse-me: “Mãe, não acredites em nada do que essa médica disse! Vê-se mesmo que ela não conhece a S.! Mãe, tu só continua a fazer o que tens feito e vais ver!” É claro que os olhos encheram-se-me de lágrimas e esbocei o sorriso mais sentido que consegui. Naquele momento só pensava na sorte que tinha em ser mãe destas duas filhas, cada uma pelos seus motivos.

É claro que a médica não conhecia a S.. Nem se pode conhecer uma criança que precisa de mais tempo para reagir (que uma criança com um desenvolvimento normal) numa consulta de 30 minutos, em que 25 são para falar sobre o histórico do paciente e 5 para observá-lo. Uma criança que, normalmente, já esteve na sala de espera muito tempo, está já irrequieta, com sono ou com fome, e é manuseada como se fosse um frango de capoeira por uma pessoa que não conhece e que, ainda por cima, usa uma bata branca! Além disso, depois de ouvir durante algum tempo aquela mesma pessoa enumerar tudo o que a S. não consegue fazer nem nunca (na sua opinião) fará! É que, por acaso, lesão neurológica não significa necessariamente surdez ou défice cognitivo. Era bom que os médicos, fisioterapeutas, profissionais de saúde e as pessoas em geral tivessem isso em consideração. Por isso, quando alguém me pergunta “não anda?” eu normalmente respondo “ainda não”. Ninguém pode saber se vai ou não andar; mas ela tem de acreditar, o cérebro dela tem de acreditar, que existe essa possibilidade!

Por tudo isso, na minha modesta opinião, as consultas de reabilitação e de neurologia deveriam ter um formato diferente, por assim dizer.

Num primeiro momento, a mãe ou o acompanhante da criança interagiam um com o outro durante alguns minutos como se estivessem sozinhos na consulta. A mãe levaria a cabo alguma atividade que lhes seja familiar (como cantar, conversar, brincar, dar mimos, ler uma história, etc.) até que a criança se sentisse menos defensiva. O médico – usando a expressão “como quem não quer a coisa!, observaria a criança. Poderia até existir uma lista de coisas que a mãe, no âmbito da “brincadeira”, pediria à criança que realizasse para que o especialista pudesse avaliar determinados objetivos ou marcos de desenvolvimento (como levar as mãos ao centro, segurar a cabeça, levar as mãos à boca, fixar o olhar, seguir com o olhar, bater palmas, gatinhar, sentar-se, andar, falar, responder, o nível de atenção, o reconhecimento de sons, palavras, caras, objetos, etc.). Num segundo momento, o médico incorporar-se-ía à “brincadeira” e iniciaria ele próprio a exploração. E num terceiro momento, depois de anotar o resultado da sua exploração e os dados recolhidos com a observação, perguntar-se-ía o histórico à mãe seguindo-se as consequentes recomendações.

Tudo isto pode parecer muito tempo, mas na minha experiente e simultaneamente modesta opinião de mãe,  pergunto se não seria mais produtivo? Se o tempo não compensaria com resultados?

A vantagem de ser mãe é que, precisamente, não sendo profissionais de saúde (não sei realmente se as mães que são efetivamente profissionais de saúde pensam de outra forma), não estamos limitadas pela ciência nem por estatísticas, nem por ratios de pacientes por hora, e os nossos conhecimentos têm origem na observação diária. Mas acima de tudo, e por todos esses motivos referidos, nós mães temos o direito de acreditar no potencial dos nossos filhos, independentemente das limitações que eles possam ter!”

 

 

A Ana tem 42 anos e é a mãe de S. Uma menina “especial”, 4 anos, cujo desenvolvimento contrariou uma gravidez e parto aparentemente saudáveis. S. tinha pouco tempo de vida, quando Ana suspeitou de que algo não corria bem com a sua bebé. Entre médicos e visitas ao estrangeiro, Ana recebeu o diagnóstico de uma doença rara.

E com a coragem que só as mães conseguem reinventar nas piores tempestades, passou a adotar um novo lema de vida: um passo de cada vez. A história de S. é um dos 65 casos (em cada 100 mil pessoas) afetados por doenças raras. Acompanhar os passos desta criança permite-nos acompanhar as dificuldades e perceber como podemos intervir, ajudar, apoiar, integrar. A Ana dá voz a muitas outras histórias. 

Comentários

comentários